Cientistas avançam no conhecimento da perovskita para produção de energia limpa
Pesquisadores investigaram a espessura ideal do material envolvido na transformação de energia óptica e térmica em eletricidade

Dispositivos solares de perovskita de pequena dimensão desenvolvidos em laboratório do Instituto de Química da Unicamp – Foto: Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP
No início do século, os combustíveis fósseis representavam 80% da energia mundial. O predomínio dessas fontes na matriz energética é reconhecido como ameaça, e a transição, necessária. Nos últimos 15 anos, o uso de filmes finos de perovskita despontou como uma promessa da tecnologia limpa, devido ao seu baixo custo e alta capacidade de converter luz solar em eletricidade. No entanto, os experimentos vêm sendo feitos no âmbito acadêmico e ainda não alcançaram a viabilidade comercial. Do ponto de vista técnico e científico, este é um processo extenso, com avanços feitos diariamente.
Este ano, pesquisadores do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), Instituto de Química de São Carlos (IQSC) – ambos da USP – e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), investigaram um perfil de camadas ideal para ser utilizado em células solares de perovskita. O estudo, publicado na revista científica Applied Energy Materials – ACS, apontou que duas ou três camadas do mineral seriam o suficiente para se alcançar a eficiência energética nos dispositivos.
Camada de perovskita

Israel C. Ribeiro – Foto: LinkedIn
Uma célula solar é construída a partir do empilhamento de diferentes camadas, com diferentes espessuras, cada uma com função e propriedades físico-químicas específicas. Por exemplo, a Camada Antirreflexiva reduz a quantidade de luz refletida pela superfície da célula e a Camada de Junção cria o campo que separa as cargas elétricas e direciona sua movimentação.
A Camada Absorvedora capta partículas da energia luminosa (fótons) e gera excitação de elétrons, princípio fundamental para o funcionamento da energia elétrica. Em células convencionais, o material utilizado nesse estrato é o silício.
O pesquisador Israel C. Ribeiro (IQSC-USP), primeiro autor do artigo, aponta que o uso da perovskita – um óxido mineral com uma parte orgânica e outra inorgânica – para a Camada Absorvedora pode ser uma alternativa mais barata e bastante eficiente. Por isso, o grupo decidiu investigar a espessura ideal de perovskita para melhor aproveitamento eletrônico.
Um número entre dois ou três filmes de perovskita foi identificado como melhor opção para eficiência energética. Os pesquisadores observaram que o aumento da espessura das camadas inorgânicas melhora a transferência de carga elétrica e a estabilidade estrutural. Isso ocorre devido a interações mais fortes entre os componentes orgânicos e inorgânicos da molécula.

Mineral descoberto em 1839 em rochas ígneas e metamórficas na Rússia, a perovskita tem propriedades de supercondutividade, mas seu uso como célula fotovoltaica ainda precisa vencer desafios de estabilidade estrutural – Foto: Cetene/MCTI/gov.br / CC BY-ND 3.0
Porém, com o aumento das camadas, o confinamento quântico diminui – o que é uma desvantagem. Em sistemas confinados, a atração entre cargas negativas e positivas é mais forte. Além disso, o bandgap (energia necessária para excitar um elétron) é maior nestes sistemas, em comparação com materiais de escala macroscópica.
Os cientistas concluíram que apenas uma camada de filme tornaria o sistema mais instável e a suplementação de mais de três camadas seria menos eficiente. Porém, o estudo não afirma categoricamente qual seria a camada e espessura ideal de perovskita para as células solares. Isso porque existem muitas variáveis envolvidas na escolha de uma célula solar específica.
“Filmes de perovskita são muito finos: seriam necessárias dez mil camadas para chegar à espessura de um fio de cabelo. A simulação mostrou que, quando há poucas camadas, a absorção de luz e a movimentação dos elétrons varia muito com o número de camadas”, diz o professor do IFSC Luiz Nunes de Oliveira, também entre os autores deste trabalho.
Um pedaço de rocha cinza com partes amareladas
“O que o artigo faz é compreender as propriedades conforme o número de camadas aumenta ou diminui, para assim, dar um norte do que pode ser o ideal em cada caso”, esclarece Israel Ribeiro.
O estudo realizou um screening – processo de análise comparativa que testa diferentes combinações de espessura e propriedades físico-químicas – em sistemas de uma até quatro camadas. A partir da triagem, eles observaram quais propriedades seriam otimizadas em função do número de camadas. A caracterização foi feita por avaliações computacionais e não houve testes experimentais.

De maneira geral, existem 6 principais camadas em uma célula solar: Antirreflexiva, Frontal, Absorvedora, de Transporte de Carga, de Junção e Posterior – Imagem: Mvismara/Wikimedia / CC BY-SA 3.0
O artigo se baseia nas teorias da química quântica – uma área de estudo que investiga o comportamento de sistemas físico-químicos microscópicos. Este é um campo desafiador tanto para cientistas, quanto para a computação, devido ao alto número de variáveis envolvidas em processos tão pequenos.
“Nós utilizamos a Teoria do Funcional da Densidade – uma metodologia alternativa para resolver a Equação de Schrödinger, utilizada em sistemas muito complexos, em que há muitos elétrons, nêutrons, núcleos e partículas”, explica o professor Juarez L. F. Da Silva, orientador da pesquisa. Do ponto de vista computacional, essa adaptação é necessária porque diminui o grau de especificidade, reduzindo o número de variáveis envolvidas nos cálculos.
Para os pesquisadores, esses insights não apenas aprofundam nossa compreensão do papel da espessura em filmes de perovskita 2D, mas também destacam a importância de considerar efeitos de tamanho quântico e fenômenos de superfície ao projetar esses materiais para aplicações optoeletrônicas, buscando estratégias para melhorar seu desempenho.
O artigo Impact of Thin Film Thickness on the Structural, Energetic and Optoelectronic Properties of Two-Dimensional FPEA2(MAn-1)PbnI3n+1 Perovskites está disponível on-line e pode ser lido aqui.
Este estudo faz parte de uma série de publicações que compõem a tese de doutorado de Israel Cristian da Cunha Ribeiro, orientado pelo professor Juarez Lopes Ferreira Da Silva, ambos do IQSC-USP.
Mais informações: e-mail israelribeiro@usp.br
Texto: Beatriz La Corte/Jornal da USP – Estagiária com orientação de Tabita Said e informações da assessoria de comunicação
A pesquisa impacta os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS): 7 – Energia Limpa e Acessível