Pesquisadores da USP desenvolvem método que utiliza carvão e água oxigenada para filtrar ar poluído em ambientes fechados

Sistema desenvolvido no Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP é sustentável, econômico e foi destaque em revista internacional da Elsevier
Embora a poluição atmosférica advinda de indústrias, automóveis e queimadas florestais seja amplamente estudada e considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) um dos principais fatores para o desenvolvimento de doenças, os poluentes do ar interno ainda são negligenciados — mesmo estando presentes em ambientes onde passamos a maior parte do tempo.
Pensando nisso, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP desenvolveram um novo método para remover um poluente muito comum no ar de casas e escritórios: o limoneno – composto orgânico de fácil evaporação bastante utilizado em produtos de limpeza e perfumes. Publicado em março de 2025 na revista Elsevier sob o título Treatment of limonene-polluted air streams by sequential GAC adsorption and electrochemically H2O2-based oxidation: Challenges and perspectives, o trabalho apresenta um sistema de filtragem do ar baseado em carvão ativado granular (GAC) e peróxido de hidrogênio, também conhecido como água oxigenada.
“O limoneno é derivado de fontes naturais, como plantas e frutas cítricas, e é classificado como um solvente verde. Isoladamente, ele é considerado seguro, mas, por ser altamente reativo, quando entra em contato com outras substâncias no ambiente pode formar subprodutos que apresentam riscos à saúde”, explica a pós-doutoranda do IQSC Géssica de Oliveira Santiago Santos, uma das autoras do artigo, que foi financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) no âmbito da colaboração científica entre o Grupo de Processos Eletroquímicos e Ambientais (GPEA) do IQ e o grupo TEQUIMA da universidade parceira na Espanha.

O limoneno é um composto orgânico de difícil remoção do ar por não dissolver bem em água | Imagem: Géssica Santos
De acordo com a pesquisadora, apesar de ter o rótulo de seguro e baixa toxicidade, o limoneno dissolve substâncias muito facilmente e não pode ser armazenado em qualquer local: “A curto prazo, o limoneno pode provocar irritações e alergias, especialmente em pessoas mais sensíveis. Já os efeitos a longo prazo ainda são pouco compreendidos, porque envolvem exposições crônicas e contínuas”.
Simulando a poluição do ar em laboratório – Para investigar o comportamento do limoneno, os pesquisadores, incluindo os professores Marcos R.V. Lanza, do IQSC, e Manuel A. Rodrigo, da Universidad de Castilla-La Mancha, na Espanha, criaram um sistema capaz de simular um ambiente interno contaminado. O limoneno líquido foi vaporizado com o auxílio de uma bombinha de ar, criando um fluxo de ar poluído com concentração semelhante à encontrada em espaços fechados reais. Esse ar foi então conduzido por duas colunas de vidro de dimensões diferentes que continham o carvão ativado. A adsorção do limoneno pelo carvão foi monitorada com seringas e analisada em equipamentos específicos, demonstrando que o carvão ativado foi bastante eficiente na remoção do poluente.
Após essa etapa, a equipe conduziu experimentos para determinar quanto tempo levaria para o carvão ficar saturado e para o limoneno ser detectado na saída. Na coluna menor, isso ocorreu a partir de 75 horas, sendo que o carvão ficou totalmente saturado por 90 horas. Para a coluna maior, a saturação total do carvão foi obtida com 380 horas de experimento.

O processo eletroquímico de filtragem ainda consome muita energia, o que exige pensar em alternativas, como a proposta pelos pesquisadores do IQSC | Imagem: Géssica Santos
Um desafio: o que fazer com o carvão usado? – Após a saturação, a equipe se deparou com um problema comum: como descartar o carvão ativado? Os métodos tradicionais, como incineração ou descarte em aterros, geram poluição secundária e aumentam os custos ambientais. Dessa forma, os pesquisadores propuseram um método para “limpar” e regenerar o carvão ativado, permitindo seu reuso e tornando o sistema mais sustentável. Essa regeneração foi realizada por meio da oxidação dos poluentes retidos com o uso de peróxido de hidrogênio gerado no próprio laboratório.
De acordo com os pesquisadores, a principal vantagem dessa abordagem está na segurança e sustentabilidade: como o peróxido é produzido no próprio local de uso, não há necessidade de transportar ou armazenar grandes volumes de soluções concentradas — que, além de inflamáveis, representam riscos logísticos e ambientais.
Com a água oxigenada gerada, o próximo passo foi colocá-la em contato com o carvão ativado com limoneno.
“Além de melhorar a eficiência da degradação do poluente, foi possível formar subprodutos de valor agregado, como linalol e beta-mirceno, usados na indústria de fragrâncias”, conta a pesquisadora.
Desafios e perspectivas – Segundo os envolvidos, a pesquisa enfrentou desafios importantes, especialmente no manuseio do limoneno, um composto altamente volátil e reativo, o que exigiu rigorosos controles experimentais para garantir a precisão dos resultados. “Foi um estudo difícil de conduzir, porque qualquer variação na entrada ou na saída do sistema poderia comprometer os dados. Trabalhar com compostos gasosos requer um nível de controle muito maior do que em soluções líquidas”, comenta Géssica.
O professor Marcos ressalta o caráter inovador da proposta: “Estamos lidando com novas tecnologias, na fronteira do conhecimento em eletroquímica ambiental. Nosso objetivo é desenvolver soluções que, além de mitigar a poluição, tenham viabilidade econômica, gerando produtos que possam ser reaproveitados e devolvidos à sociedade”.
A tecnologia ainda não está disponível comercialmente, mas vem sendo aprimorada há anos pelo grupo do docente. “Nosso foco é entender e otimizar os mecanismos de geração da água oxigenada para torná-los cada vez mais eficientes”, destaca Géssica. Um dos principais desafios, segundo ela, é elevar a concentração do peróxido gerado para níveis compatíveis com aplicações industriais, sem comprometer a segurança nem a viabilidade econômica do processo. Mesmo assim, os resultados já indicam um grande potencial para uso em tratamento de água, ar e resíduos químicos, dentro de uma abordagem mais limpa e sustentável.
Reportagem: Gabriele Maciel, Fontes Comunicação Científica