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Pesquisadores da USP desenvolvem sistema sustentável, seguro e mais barato para tratamento de água

Comercialmente conhecido como água oxigenada, o peróxido de hidrogênio é eficaz na desinfecção e, ao contrário do cloro, não gera subprodutos tóxicos | Imagem: Freepik

 Tecnologia que utiliza água oxigenada oferece uma alternativa eficiente, simples e ecológica que poderá ser aplicada em estações de tratamento de água no futuro 

O uso de compostos à base de cloro é uma das principais estratégias utilizadas para o tratamento de água em todo o mundo. Embora eficaz contra microrganismos, o método apresenta limitações importantes: pode gerar subprodutos tóxicos e exige cuidados no transporte e armazenamento, podendo acarretar implicações à saúde humana e ao meio ambiente. 

Em resposta a esses desafios, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP desenvolveram uma tecnologia que combina sustentabilidade e segurança para aplicação nesse cenário. O estudo propõe um sistema que produz, monitora e libera, em tempo real, peróxido de hidrogênio na água. Comercialmente chamado de água oxigenada, o composto tem reconhecida ação desinfetante e oxidante, além de ser mais amigável ao meio ambiente. 

O novo sistema, que reúne diferentes tecnologias de forma integrada, pode servir tanto para tratar a água para reúso e descarte como para torná-la potável, já que sua aplicação atua na remoção de contaminantes orgânicos persistentes. A pesquisa foi publicada na revista científica internacional Process Safety and Environmental Protection, da editora Elsevier.

Intitulado ‘Integrated system for in situ generation and online monitoring of H₂O₂: Coupling an electrochemical flow reactor to a flow injection analysis system’, o estudo é assinado pelos pesquisadores Anderson M. Santos, pós-doutorando do IQSC; Robson S. Souto, doutorando do IQSC; Marcos Lanza, professor do IQSC, além da colaboração de Willyam R.P. Barros, docente da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)

Como o método funciona? 

O princípio fundamental do estudo é a geração de água oxigenada a partir do oxigênio pressurizado. Esse processo ocorre dentro de um equipamento (reator) que usa corrente elétrica para provocar reações químicas. “Instalamos o dispositivo na entrada do fluxo da água que queremos tratar. A água, então, passa por dentro do aparelho enquanto o oxigênio do ambiente é convertido em peróxido de hidrogênio ao ingressar no reator. É esse composto, já em contato com a água, que posteriormente vai tratá-la”, explica o doutorando Robson Souto.

O sistema é eficaz tanto na desinfecção quanto na remoção de contaminantes, podendo ser aplicado no reúso da água ou na sua potabilização | Imagem: Anderson Santos

Esse método leva o nome de geração in situ, no qual a substância é produzida no próprio local de aplicação. “Essa é a grande vantagem: o peróxido de hidrogênio é produzido dentro do próprio sistema. Então, você consegue: ‘ligar’ para começar a produzir e, se quiser que pare, desliga da tomada e ‘fecha’ a entrada de oxigênio”, complementa o professor Marcos Lanza.

Após a liberação do peróxido de hidrogênio na água, entra em cena um outro dispositivo desenvolvido na pesquisa: o sistema de monitoramento. O mecanismo foi criado no formato de um sensor à base de serigrafia, ou conhecido por “screen-printed electrode”, como explica o pós-doutorando Anderson Santos: “É um sensor impresso mais viável que os outros por ser descartável e mais barato. O princípio dele é identificar e quantificar moléculas eletroativas, nesse caso, o peróxido de hidrogênio”.

Segundo o pesquisador, a principal vantagem do sensor é que ele realiza o monitoramento das reações por via direta, isto é, o próprio sistema faz a análise em tempo real e in loco da quantidade de peróxido de hidrogênio produzido, enquanto nos métodos tradicionais, as amostras teriam de ser levadas a um laboratório para serem monitoradas. Essa facilidade é uma maneira de automatizar e simplificar a operação do sistema.

Tripla sustentabilidade: mais verde, mais seguro e mais barato

A nova tecnologia desenvolvida é uma alternativa com menor impacto ambiental comparada aos processos tradicionais. O cloro, por exemplo, pode reagir com compostos orgânicos presentes na água e formar subprodutos potencialmente mais tóxicos do que os poluentes originais. Já o peróxido de hidrogênio, além de ser eficaz como oxidante e desinfetante, não forma subprodutos perigosos. Pelo contrário: ele pode até ajudar a reduzir a toxicidade de compostos presentes na água, tornando o processo mais ecológico.

A outra vantagem é a maior segurança operacional do processo. Segundo o professor Marcos Lanza, por funcionar sob demanda e de forma automatizada, o sistema pode eliminar diversas etapas problemáticas dos processos industriais convencionais de produção de peróxido de hidrogênio. “Os produtos mais concentrados, como os usados na indústria, são altamente corrosivos. Se cair na pele de um operador desprotegido, pode causar danos graves, como queimaduras nos pés ou nas mãos. Por isso, nosso processo representa um avanço significativo em termos de segurança operacional e logística”, explica.

O reator eletroquímico foi desenvolvido nos laboratórios do Grupo de Processos Eletroquímicos e Ambientais (GPEA) do IQSC | Imagem: GPEA

Além disso, a produção in situ elimina a necessidade de transporte e armazenamento do composto, o que reduz os custos de tratamento. O uso de dispositivos compactos e descartáveis, como o sensor, também traz ainda mais economia ao sistema. É o que aponta Willyam Barros, professor da UFGD: “Esse tipo de design personalizado é uma vantagem muito relevante do sistema como um todo, pois permite a redução de custos. Por exemplo, é possível produzir sensores desse tipo em papel, o que diminuiria ainda mais o custo do processo. É um caminho muito promissor do ponto de vista da viabilidade econômica”.

Horizontes de aplicação

Segundo os pesquisadores, mesmo desenvolvida em pequena escala, a tecnologia proposta pode ser expandida para dimensões variadas – podendo ser aplicada em estações industriais de tratamento, em propriedades rurais ou em comunidades afastadas, driblando dificuldades de acesso a essas estruturas.

“Um exemplo claro de aplicação do sistema é no setor agropecuário: muitas propriedades rurais não contam com estações próprias de tratamento de efluentes. E isso é um problema real, porque essas áreas também geram resíduos que precisam ser tratados de forma segura. A ideia é justamente criar dispositivos compactos, com componentes de baixo custo, que possam ser facilmente transportados e operados. Com isso, conseguimos descentralizar o processo de tratamento de água, atendendo também áreas distantes dos grandes centros urbanos”, explica Robson.

O professor Willyam complementa que o processo pode ser particularmente relevante principalmente para comunidades que não têm acesso a tecnologias avançadas de tratamento: “Ao combinar a remoção de contaminantes com a desinfecção efetiva, criamos um sistema híbrido altamente eficiente e com grande potencial de aplicação prática. Essa abordagem traz um grande benefício tanto para a segurança da água, quanto para a sua reutilização de forma mais ampla, atendendo à demanda de regiões que carecem de infraestrutura para tratamento adequado”, conclui.

Testes comprovam a eficácia

O sistema desenvolvido teve sua eficiência comprovada em estudos voltados ao tratamento de água contaminada com o pesticida tebuthiuron, utilizando dois tipos de amostras: uma de água controlada, previamente filtrada e desmineralizada, e outra coletada diretamente de um córrego nas proximidades da USP.

Além desses testes, os pesquisadores já aplicaram a tecnologia em efluentes reais de empresas, com alta carga orgânica e em condições significativamente mais severas do que as simuladas no estudo. Em ambos os cenários os resultados mostraram que a toxicidade da água foi reduzida, bem como os contaminantes removidos. 

A pesquisa foi desenvolvida no âmbito do Grupo de Processos Eletroquímicos e Ambientais (GPEA), coordenado pelo professor Marcos Lanza do IQSC, e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). O estudo completo pode ser encontrado no link.

Raquel Sampaio, da Fontes Comunicação Científica