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Pesquisa da USP desenvolve fertilizantes de vidro para agricultura sustentável

Amostra do fertilizante vítreo que é processado em grãos pequenos para garantir a liberação gradual dos nutrientes no solo | Foto: Danilo Manzani

Ao contrário dos convencionais, os fertilizantes de vidro se dissolvem lentamente, eliminando a necessidade de reaplicação e reduzindo o impacto ambiental 

A agricultura e a pecuária são fundamentais para a economia do Brasil, e a perda de fertilidade dos solos, somada à necessidade de aumento de produção, impõem desafios para esse setor. Em busca de soluções sustentáveis, pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP criaram um fertilizante de vidro que promete ser mais eficiente e reduzir os impactos ao meio ambiente. 

A inovação, desenvolvida em parceria com a Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) e com o apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), foi apresentada em fevereiro deste ano através do artigo Design and Performance of a Multicomponent Glass Fertilizer for Nutrient Delivery in Precision Agriculture.

De acordo com o professor Danilo Manzani do IQSC, que é um dos responsáveis pelo estudo e um dos autores do artigo, o fertilizante vítreo oferece uma alternativa inovadora para o manejo do solo, garantindo uma solução viável para a crescente escalada do uso dos fertilizantes comuns.

“Nosso fertilizante é um material no estado vítreo, que foi sintetizado com concentrações adequadas de fósforo, silício e potássio, combinadas com outros compostos em menores concentrações, como molibdênio, magnésio, boro e cálcio. Esses compostos apresentam solubilidade em água e no solo. A versatilidade dos vidros é que, em teoria, podem ser obtidos em diferentes composições, incluindo as necessárias para atuar como fertilizantes de liberação lenta e controlada”, explica o professor.

Na primeira imagem, o líquido sendo derramado, já na segunda o fertilizante vítreo antes de ser processado | Foto: Foto: Danilo Manzani

Como o fertilizante de vidro foi desenvolvido – Diferente dos fertilizantes convencionais, que precisam ser aplicados repetidamente já que seus nutrientes são levados pela água da chuva ou perdidos para a atmosfera, os fertilizantes em vidro foram desenvolvidos para liberar nutrientes de forma controlada e prolongada.

Essa capacidade permitiu que a equipe sintetizasse o vidro incorporando micro e macronutrientes como boro, cálcio, potássio, magnésio, manganês, molibdênio e zinco, que são essenciais às plantas. Essa composição foi derretida a 1100°C e rapidamente resfriada para formar o vidro, que depois foi processado em partículas de 0,85 a 2,0 mm. Esse tamanho foi escolhido para garantir que os nutrientes sejam liberados ao longo do tempo, sem que o material se dissolva rapidamente.

Testes e principais achados da pesquisa –  Para avaliar a eficácia do fertilizante, os pesquisadores realizaram experimentos em estufa com a grama conhecida como capim Piatã (Palisade). Eles compararam o crescimento da planta com e sem utilização do fertilizante vítreo. Os resultados mostraram que, ao longo de cinco colheitas sucessivas, o fertilizante vítreo apresentou um desempenho agronômico 70% superior ao controle, garantindo um suprimento contínuo de nutrientes. Além da eficiência na liberação dos nutrientes, os pesquisadores também estudaram como a composição do vidro interage com diferentes tipos de solo. “Trabalhamos com solo arenoso, médio e argiloso e avaliamos como o fertilizante se comportaria em cada um deles”, esclarece José Hermeson da Silva Soares, doutorando do IQSC e um dos autores do estudo. “Os testes mostraram que a eficiência agronômica foi maior em solo de textura média, onde a retenção de nutrientes ocorre de forma mais equilibrada”.

Os experimentos também incluíram testes de solubilidade em diferentes condições. Os cientistas expuseram as partículas do fertilizante em água pura e em uma solução tampão de citrato para simular o pH do solo, já que os testes foram feitos somente em vasos de estufa. Durante as análises, os cientistas descobriram que a dissolução do vidro ocorre de maneira mais lenta na água (167 horas) e mais rápida no tampão (134 horas), demonstrando que o fertilizante pode ser ajustado para diferentes tipos de solo e culturas.

Além disso, foram realizados testes ecotoxicológicos com sementes de alface e cebola, cujos resultados indicaram que o fertilizante vítreo é seguro e não causa efeitos tóxicos ou mutagênicos nas plantas. 

Em testes realizados, a aplicação do fertilizante em vidro demonstrou eficácia e segurança | Imagem: Danilo Manzani

Parceria entre instituições e futuro da pesquisa A colaboração entre diferentes instituições foi fundamental para o desenvolvimento e validação da tecnologia. Segundo os pesquisadores, a Embrapa foi responsável pelos testes agronômicos, enquanto a EESC contribuiu com sua expertise e infraestrutura para o processo de fusão do vidro. Já as análises químicas foram conduzidas no IQSC, Embrapa e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Esta última também colaborou com os testes ecotoxicológicos.

“O projeto reuniu áreas muito diferentes, e essa integração foi essencial para chegarmos a um resultado tão sólido. Ter toda essa infraestrutura e conhecimento especializados trabalhando juntos em uma mesma pesquisa é algo que não se encontra com facilidade. São Carlos tem essa característica especial de conectar talentos científicos e tecnológicos, e isso foi um grande diferencial para o sucesso do nosso trabalho”, assegura o professor Eduardo Ferreira, da EESC, corresponsável pelo trabalho.

O estudo apontou desafios para aprimorar a formulação do fertilizante. Um deles é a impossibilidade de incluir nitrogênio e enxofre, essenciais para as plantas, no formato como inicialmente o vidro foi projetado. Isso porque esses elementos não são facilmente incorporados na estrutura desse tipo de vidro. Esforços no sentido de superar essa limitação estão sendo realizados em outras pesquisas desenvolvidas no Laboratório de Materiais Inorgânicos e Vítreos (LaMIV) do IQSC, coordenado pelo professor Danilo Manzani.

Apesar disso, os pesquisadores veem um grande potencial para a aplicação da tecnologia. “Nosso objetivo é diminuir os custos de produção, tornando o processo mais acessível”, destaca o professor da EESC.

Os próximos passos da pesquisa envolvem a realização de testes em campos experimentais em parceria com a Embrapa, além da exploração de novas formulações de vidro para atender às necessidades específicas de diferentes culturas agrícolas. “A possibilidade de ajustar a composição do vidro conforme a demanda da plantação é uma vantagem importante e que está sendo o foco da pesquisa. Podemos modificar a solubilidade e o tempo de liberação dos nutrientes para garantir uma nutrição mais eficiente e sustentável”, declara Danilo Manzani.

Além disso, o doutorando José Hermeson da Silva Soares já está investigando uma nova configuração para o fertilizante, incorporando um hidrogel à formulação. Essa inovação permite a inclusão de componentes nitrogenados, que na primeira fase não foram inseridos.

“Nossa ideia é combinar as propriedades dos dois materiais e criar um composto híbrido, onde o vidro fornece os nutrientes de liberação controlada e o hidrogel armazena e libera a ureia, por exemplo, de forma eficiente”, explica José.

Segundo Danilo Manzani, o encapsulamento com hidrogel pode ser um caminho promissor para aprimorar a tecnologia dos fertilizantes vítreos, tornando-os ainda mais eficientes e adaptáveis às necessidades da agricultura moderna.

Os pesquisadores ressaltam que o projeto contou com apoio da FAPESP, Finep, Capes e CNPq, mas que interessados em contribuir financeiramente de modo a otimizar a pesquisa podem entrar em contato pelo e-mail: dmanzani@usp.br ou ebferreira@sc.usp.br.

Reportagem: Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica