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Explosão em Beirute: professor do IQSC tira dúvidas sobre o nitrato de amônio

Foto: ABISOLO

A explosão ocorrida na região portuária de Beirute, no Líbano, na última terça-feira (4), já deixou mais de 150 mortos e milhares de feridos. A principal suspeita até o momento sobre a causa do acidente é de que a explosão tenha partido de um hangar que armazenava mais de duas toneladas e meia de Nitrato de Amônio (NH4NO3), substância química altamente inflamável que estaria guardada há anos no local. 

Em meio ao avanço das investigações, uma série de perguntas acabam sendo levantadas sobre o assunto. Será que manter por muito tempo, no mesmo local, grandes quantidades de produtos químicos como o NH4NO3 pode aumentar os riscos de uma explosão? Qual é forma adequada de manusear um composto como esse? Essa substância já gerou algum acidente semelhante anteriormente? Por qual razão ela pode ter explodido? 

Para responder essas e outras questões sobre o tema, nós conversamos com o professor Antônio Aprígio Curvelo, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP, que é doutor em Química Orgânica. Confira, abaixo, a entrevista completa em texto e áudio.

 

1 – Qual é a origem do nitrato de amônio? Ele é um composto antigo? Como ele é encontrado à temperatura ambiente? 

R: O nitrato de amônio é um sólido cristalino branco, muito solúvel em água, com temperatura de fusão entre 160ºC e 170ºC. Ele é relativamente estável à temperatura e pressões normais, e é conhecido desde o século XVII, quando foi sintetizado pelo químico alemão Rudolf Glauber, que naquela época chamou o composto de nitro flamejante. Esse mineral pode ser encontrado na natureza junto com outros minerais, mas sua produção comercial é feita a partir de uma reação ácido-base entre amônia e ácido nítrico, embora outros processos também possam ser utilizados. A produção mundial de nitrato de amônio em 2017 alcançou mais de 20 milhões de toneladas. 

 

2 – Quais são suas aplicações mais conhecidas?

R: O nitrato de amônio é utilizado principalmente como fertilizante, sendo uma importante fonte de nitrogênio para o crescimento de plantas. Ele também pode ser utilizado, isoladamente ou em mistura com outras substâncias, como explosivo comercial, aplicação que atinge usos em mineração, pedreiras e construção civil. O nitrato de amônio, quando misturado com óleo combustível, é um explosivo de rápida combustão. Ele também pode ser empregado como combustível de foguetes e em outras aplicações. Sua estocagem incorreta já produziu acidentes em vários países, além de já ter sido empregado para produção de bombas em atos terroristas.

 

3 – Ele pode ser armazenado em grandes quantidades?

R: Como toda substância explosiva, o nitrato de amônio deve ser estocado em condições muito bem controladas. Em particular, deve-se mantê-lo por pouco tempo no mesmo local e evitar grandes quantidades do composto. O ambiente de estocagem deve ser seco, protegido de calor, bem ventilado e distante de fontes de faísca, além de ficar separado de outros materiais combustíveis e substâncias oxidantes. 

 

4 – O nitrato de amônio, por si só, é explosivo? O que precisa acontecer para que a substância exploda? 

R: O nitrato de amônio reúne todas as condições para ser (e é) um explosivo. A presença de oxigênio e nitrogênio em sua composição, combinada com a formação de produtos gasosos mais estáveis, como óxidos nitrosos, nitrogênio molecular, oxigênio molecular, amônia, dentre outros, permite que sua reação de decomposição seja termodinamicamente favorável. A reação de decomposição é um processo muito exotérmico (que ocorre com liberação de calor). Em temperaturas superiores a 200ºC, a reação ocorre de forma muito rápida, liberando gases superaquecidos que provocam uma grande expansão, caracterizada por uma violenta explosão.

 

5 – As primeiras notícias indicam que toneladas de nitrato de amônio estavam estocadas há anos no porto de Beirute. O grande tempo que a carga ficou parada de alguma forma pode ter contribuído para aumentar os riscos de acidente?  

R: Nós ainda não temos muitas informações sobre como a substância estava estocada. No entanto, assim como outros fertilizantes, o nitrato de amônio pode ser vendido a granel ou ensacado em sacos plásticos. A estocagem por grandes períodos pode comprometer a integridade dos containers e das embalagens, expondo o produto ao meio ambiente e a diversas fontes de contaminação, o que pode acelerar a sua degradação e, eventualmente, ocorrer acidentes como o de Beirute. 

 

6 – Do ponto de vista do manuseio do composto, que tipo de cuidados um galpão, aeroporto ou qualquer outro local de armazenamento/transporte de produtos deve tomar para evitar acidentes com substâncias químicas?  

R: Os cuidados são os mesmos preconizados para substâncias com elevado poder explosivo: evitar grandes quantidades em um mesmo local e manter estoques reduzidos e por pouco tempo, em ambientes secos, protegidos de calor, com boa ventilação, distante de fontes de faísca e separados de materiais combustíveis. Além disso, os operários devem utilizar equipamentos de proteção individual e evitar contato com a pele e a inalação do produto.

 

7 – A fumaça gerada pela queima de nitrato de amônio é tóxica? Ela pode permanecer por muito tempo na região do acidente, tendo em vista a grande quantidade de NH4NO3 que havia no local? 

R: Os vapores gerados na explosão são tóxicos, principalmente os óxidos de nitrogênio e a amônia. A permanência da fumaça dependerá das condições de ventilação na região do acidente, devendo ser evitada a permanência no local sem equipamentos de proteção individual. 

 

Entrevista: Henrique Fontes – Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

 

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