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Bactérias da folha da laranja podem reduzir impacto de agrotóxicos na natureza

Pesquisadores do IQSC identificaram microrganismos capazes de degradar dois inseticidas muito utilizados no Brasil. Foto: Pixabay

O uso indiscriminado de agrotóxicos gera uma série de impactos ao meio ambiente. Dependendo da forma como são aplicados e da dose empregada nas plantações, os produtos podem se acumular no solo, rios ou nas próprias hortaliças, afetando insetos que vivem no local, como as abelhas, e poluindo recursos hídricos. Os riscos também atingem os seres humanos, que podem se intoxicar pela exposição aos agroquímicos ou por meio do consumo de alimentos contaminados. Encontrar alternativas para eliminar esses compostos depositados na natureza foi o que motivou pesquisadores do Instituto de Química de São Carlos (IQSC) da USP a estudarem bactérias do gênero Bacillus extraídas da superfície das folhas da laranja. Eles descobriram que esses microrganismos produzem enzimas capazes de biodegradar dois pesticidas muito utilizados na agricultura brasileira: a Bifentrina e o Fipronil

Como as bactérias habitam o mesmo ambiente onde os produtos químicos são aplicados e, mesmo assim, se mantêm “vivas”, a hipótese dos cientistas era de que elas conseguissem eliminar os agrotóxicos. Para comprovar a teoria, eles realizaram inúmeros testes no Laboratório de Química Orgânica e Biocatálise do IQSC. Diversas espécies de Bacillus extraídas de folhas de laranja de uma plantação em Tabatinga (SP) foram colocadas em frascos que continham pequenas amostras dos agroquímicos. Após cinco dias de experimentos, alguns resultados chamaram a atenção: a bactéria Bacillus amyloliquefaciens conseguiu biodegradar 93% do Fipronil, enquanto a bactéria Bacillus pseudomycoides eliminou 88% da Bifentrina. “Elas promoveram reações de biodegradação dos pesticidas, mostrando potencial para eliminar tais agentes tóxicos lançados no meio ambiente. Essa atividade dos microrganismos representa uma importante função ambiental de remediação desses produtos,” afirma Juliana G. Viana, autora do trabalho e doutoranda do IQSC. 

Bactérias foram colocadas em frascos que continham amostras de pesticidas. Foto: Henrique Fontes – IQSC/USP

A pesquisadora, que teve sua pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), também testou como seria o desempenho de grupos de bactérias do gênero Bacillus atuando juntas contra os agrotóxicos. Oito linhagens dos microrganismos, de diferentes espécies, foram colocadas para reagir com os produtos químicos e alcançaram uma degradação de 81% do Fipronil e de 51% da Bifentrina. Segundo explica o professor André Luiz M. Porto do IQSC, que orientou o trabalho, quando as bactérias estão em conjunto, pode haver competição por espaço e nutrientes, “desviando o foco” do combate aos pesticidas. Isso de certa forma justifica a taxa de biodegradação um pouco inferior ou mais lenta nos testes com bactérias trabalhando em equipe. 

Juliana testou a ação de diferentes linhagens de bactérias contra o Fipronil e a Bifentrina. Foto: Henrique Fontes – IQSC/USP

Banidos na União Europeia, tanto o Fipronil como a Bifentrina são empregados no Brasil como inseticida e formicida em diversos tipos de plantações, como em culturas de citros, tomate, batata, milho, arroz, soja, feijão, entre outras. Além de sua aplicação no campo, o Fipronil também é utilizado para matar pulgas e carrapatos em cães, podendo gerar riscos aos animais, se administrado incorretamente. Em abelhas, os dois produtos são capazes de atingir o sistema nervoso das polinizadoras e levá-las à morte, acarretando problemas não só para o ser humano, que perderia uma população de insetos responsável pela polinização de flores que produzem diversos tipos de alimentos, mas também para a economia. Segundo estudo realizado pela Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES), em parceria com a Rede Brasileira de Interações Planta-Polinizador (Rebipp), o valor do trabalho prestado pelos animais polinizadores à agricultura brasileira gira em torno de R$ 43 bilhões por ano. 

O desenvolvimento econômico brasileiro está voltado principalmente para as atividades agrícolas, cenário que contribui para o Brasil ser o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. De acordo com o Censo Agropecuário 2017, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2006 e 2017 o país registrou um aumento de 20% no número de propriedades rurais que utilizam os produtos químicos. 

Entre 2007 e 2017, foram registrados 29.472 casos de intoxicações acidentais por agrotóxicos no Brasil. Foto: Pixabay

Embora sejam importantes para evitar a ação de pragas invasoras nas mais diversas plantações, a falta de controle e, muitas vezes, de informação sobre as recomendações de uso dos agrotóxicos pode torná-los prejudiciais tanto para o meio ambiente, que terá acúmulo dessas substâncias em diferentes locais, como para as pessoas, que podem se prejudicar pela inalação, ingestão ou contato dos produtos com a pele e mucosas. Levantamento feito pela Coordenação de Vigilância Ambiental do Ministério Da Saúde revela que, entre 2007 e 2017, ocorreram 29.472 casos de intoxicações acidentais por agrotóxicos no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (Sinan), sendo que somente em 2016 foram registrados 416 óbitos por esta causa.

Segundo os pesquisadores do IQSC, as bactérias estudadas no Instituto têm potencial para serem utilizadas por agricultores na eliminação de resquícios de agrotóxicos nas plantações e para evitar a contaminação de outros seres vivos e dos recursos naturais. “Após cumprirem seu papel de proteção aos cultivos, esses produtos precisam ter um destino final, não podem ficar no meio ambiente. Para isso, estamos trabalhando em uma alternativa sustentável, utilizando a própria natureza para preservá-la e nos proteger”, finaliza Porto.

Cientistas do IQSC estudam diversas espécies de bactérias extraídas da natureza. Foto: Henrique Fontes – IQSC/USP


Por Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação do IQSC/USP

 

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